Da dor no cóccix que cada um carrega

Eu adoro andar de patins. Mas, no final de 2011, eu sofri um pequeno acidente: me desequilibrei, caí para trás, de bunda no chão. Passei uns cinco minutos deitada no chão, porque a pancada foi feia. Na hora a situação foi muito engraçada (ainda hoje é! Rsrsrs), mas mal sabia eu o que viria... Isso aconteceu num sábado à noite, e por todo domingo e segunda eu continuei sentindo dores no bumbum. Não podia sentar que eu sentia uma forte pontada, era horrível. Na noite de segunda resolvi finalmente ir ao médico. E, para a minha surpresa, meu cóccix estava fraturado! Passei uma semana de repouso, sem conseguir sentar, porque doía muito.

Bem, meu ortopedista disse que o osso se recuperaria sozinho, que eu ia ter que aguentar a dor durante um tempo e, provavelmente, eu continuaria a sentir pontadas na região. E, de fato, mais de um ano depois, eu sinto essas pontadas. Algumas vezes não consigo achar uma posição confortável pra sentar. Durante o dia, passo o tempo todo sentada, e tem horas que eu sento em cima da própria mão para aliviar. No ônibus, o incômodo é pior, pois a cadeira do ônibus não é acolchoada. Tem dias que dói tanto... Mas enfim, continuo fazendo tudo apesar disso! Ando de patins, não deixo de ir sentada no ônibus, continuo meu trabalho... eu percebi que APRENDI a conviver com a dor!

Onde eu quero chegar com essa história? Na vida, a “fratura do cóccix” pode ser: o filho que a mãe perdeu, a depressão, a AIDS, uma doença incurável, um distúrbio psicológico, um trauma de infância, a rejeição, a ansiedade, o estupro... entre outros problemas. E, infelizmente, eles ficam lá, no fundo da nossa alma, presos nos nossos cérebros. É uma ferida no coração, uma mancha na história. Não dá pra arrancar de si, não dá pra esquecer. E agora, como vamos seguir em frente?

É mais ou menos o que acontece com meu cóccix: aprendemos a conviver! Com o tempo, você percebe que sempre vai saber que fraturou o cóccix, mas aquela dor do começo, apesar de às vezes incomodar, não atrapalha mais sua vida. Não tem mais tanta força. Não te impede de recomeçar, de ser feliz, de encontrar sentido pra viver, de acreditar em si mesmo, de ver beleza nas coisas simples da vida. Percebe que, até mesmo a dor e os acontecimentos ruins fazem parte de quem você é. Que, dependendo de como você vai encarar isso, você pode se tornar uma pessoa melhor.

A primeira vez que voltei a andar de patins após o acidente, eu tinha perdido toda a confiança. Andava trêmula, devagarzinho, com o coração apertado, morrendo de medo de acontecer de novo. Gente, dói muito mesmo. Parece bobagem, mas não é. Não queria sentir essa dor de novo. Mas continuei a andar de patins até que, um dia, eu percebi que andava mais rápido e confiante, mais LIVRE. E que sensação maravilhosa... Eu superei, eu recomecei...

Eu sei que parece fácil falar, difícil é vivenciar, mas eu acredito nas palavras do Carpinejar quando ele diz:

“Entendo que não será mais a vida idealizada, não será mais a vida planejada, não será mais a vida que merecíamos. Mas ainda que seja uma vida desesperada, uma vida atormentada, uma vida traumatizada, ainda é a nossa vida.

Ainda é a vida que ficou. Ainda a vida que temos que cuidar. Ainda é a vida que temos que salvar.

Continuar a viver é sabedoria. Continuar a viver é fé. Continuar a viver é humildade.

Continuar a viver é respeito: é não ser mais vítima do que as vítimas, por mais que doa doer o dia inteiro.”

Ele se referia à tragédia de Santa Maria, a fratura do cóccix de muitas famílias. E que tragédia! Difícil pras mães, esposas, irmãos seguirem em frente...

Mas como disse o Carpinejar: não devemos desistir de viver.

Não deixemos que essas contigências, por mais duras que sejam, paralisem a existência.

Ainda há esperança, ainda há possibilidade, ainda dá pra encontrar sentido.

Ainda dá pra andar de patins...